domingo, novembro 08, 2009

Homenagem a Vicente de Carvalho






VELHO TEMA






I






Só a leve esperança em toda a vida


Disfarça a pena de viver, mais nada;


Nem é mais a existência, resumida,


Que uma grande esperança malograda.






O eterno sonho da alma desterrada,


Sonho que a traz ansiosa e embevecida,


É uma hora feliz, sempre adiada


E que não chega nunca em toda a vida.






Essa felicidade que supomos,


Árvore milagrosa que sonhamos


Toda arreada de dourados pomos,






Existe, sim: mas nós não a alcançamos


Porque está sempre apenas onde a pomos


E nunca a pomos onde nós estamos










II






Eu cantarei de amor tão fortemente


Com tal celeuma e com tamanhos brados


Que afinal teus ouvidos, dominados,


Hão de à força escutar quanto eu sustente.






Quero que meu amor se te apresente


— Não andrajoso e mendigando agrados,


Mas tal como é: — risonho e sem cuidados,


Muito de altivo, um tanto de insolente.






Nem ele mais a desejar se atreve


Do que merece; eu te amo, e o meu desejo


Apenas cobra um bem que se me deve.






Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;


E vou de olhos enxutos e alma leve


À galharda conquista do teu beijo.










III






Belas, airosas, pálidas, altivas,


Como tu mesma, outras mulheres vejo:


São rainhas, e segue-as num cortejo


Extensa multidão de almas cativas.


Têm a alvura do mármore; lascivas


Formas; os lábios feitos para o beijo;


E indiferente e desdenhoso as vejo


Belas, airosas, pálidas, altivas...






Por quê? Porque lhes falta a todas elas,


Mesmo às que são mais puras e mais belas,


Um detalhe sutil, um quase nada:






Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,


E entre os encantos de que brilham, falta


O vago encanto da mulher amada.










IV






Eu não espero o bem que mais desejo:


Sou condenado, e disso convencido;


Vossas palavras, com que sou punido,


São penas e verdades que sobejo.






O que dizeis é mal muito sabido,


Pois nem se esconde nem procura ensejo,


E anda à vista naquilo que mais vejo:


Em vosso olhar, severo ou distraído.






Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:


Ao meu amor desamparado e triste


Toda a esperança de alcançar-vos nego.






Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;


Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,


Põe-se a sonhar o bem que não existe.






V






Alma serena e casta, que eu persigo


Com o meu sonho de amor e de pecado;


Abençoado seja, abençoado


O rigor que te salva e é meu castigo.






Assim desvies sempre do meu lado


Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;


E assim possa morrer, morrer comigo


Esse amor criminoso e condenado.






Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito


Uma ventura obtida com teu dano,


Bem meu que de teus males fosse feito".






Assim penso, assim quero, assim me engano


Como se não sentisse que em meu peito


Pulsa o covarde coração humano.







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