quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Lembrando meu ídolo Castro Alves

                                                                                 
                                                                          

Canção do Boêmio


Que noite fria! Na deserta rua

Tremem de medo os lampiões sombrios.

Densa garoa faz fumar a lua,

Ladram de tédio vinte cães vadios.

Nini formosa! por que assim fugiste?

Embalde o tempo à tua espera conto.

Não vês, não vós?... Meu coração é triste

Como um calouro quando leva ponto.

A passos largos eu percorro a sala

Fumo um cigarro, que filei na escola...

Tudo no quarto de Nini me fala

Embalde fumo... tudo aqui me amola.

Diz-me o relógio cinicando a um canto

"Onde está ela que não veio ainda?"

Diz-me a poltrona "por que tardas tanto?

Quero aquecer-te rapariga linda.

"Em vão a luz da crepitante vela

De Hugo clarcia uma canção ardente;

Tens um idílio — em tua fronte bela...

Um ditirambo— no teu seio quente...

Pego o compêndio... inspiração sublime

P'ra adormecer... inquietações tamanhas...

Violei à noite o domicílio, ó crime!

Onde dormia uma nação... de aranhas...

Morrer de frio quando o peito é brasa...

Quando a paixão no coração se aninha!?...

Vós todos, todos, que dormis em casa,

Dizei se há dor, que se compare à minha!...

Nini! o horror deste sofrer pungente

Só teu sorriso neste mundo acalma...

Vem aquecer-me em teu olhar ardente...

Nini! tu és o cache-nez dest'alma.

Deus do Boêmio!... São da mesma raça

As andorinhas e o meu anjo louro...

Fogem de mim se a primavera passa

Se já nos campos não há flores de ouro...

E tu fugiste, pressentindo o inverno.

Mensal inverno do viver boêmio...

Sem te lembrar que por um riso terno

Mesmo eu tomara a primavera a prêmio..

No entanto ainda do Xerez fogoso

Duas garrafas guardo ali... Que minas!

Além de um lado o violão saudoso

Guarda no seio inspirações divinas...

Se tu viesses... de meus lábios tristes

Rompera o canto... Que esperança inglória...

Ela esqueceu o que jurar lhe vistes

Ó Paulicéia, ó Ponte-grande' ó Glórial...

Batem!... que vejo! Ei-la afinal comigo...

Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
 
Nini! pequei... dá-me exemplar castigo!
 
Sejam teus braços... do martírio a cruz!...
 
CASTRO ALVES


















































































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