sábado, outubro 21, 2006

O BONÉ DO CEGO - Crônica do Bufão


O Boné do Cego

Caminhava pela Avenida Paulista em meio a devaneios.
Matutava sobre a passividade da juventude brasileira frente à derrama tributária que assola o País, enquanto políticos corruptos usam parte dos recursos achacados ao povo para abarrotar a burra de suas ambições rasteiras e negam, com o cinismo torpe dos impunes, as evidências coletadas por CPIs. Triste geração das baladas e do hedonismo explícito!
Olhos nublados, chutei o boné de um cego que o havia colocado sobre a calçada, angariando a caridade dos passantes. Dei por mim catando moedas e notas de pequeno valor na humilhante posição em que Napoleão perdeu a guerra, sob apupos de um magote de estudantes que saia do prédio da Gazeta.
Corei de vergonha – ainda sou dos poucos que a tenho – e olhei assustado o círculo de faces agressivas ao meu redor. Tirei do bolso uma nota de dez , coloquei no boné, devolvi-o ao seu lugar junto com as minhas desculpas ao deficiente visual,. Ele parecia atônito e temeroso. Não entendia o que estava acontecendo, mas sentia a revolta ao seu redor. Sorriu ante meu pedido de desculpas e à explicação dada aos seus ouvidos pela mulher idosa que lhe servia de secretária.
Os estudantes se afastaram, combinando uma cerveja nos bares apinhados da Eugênio de Lima, ali perto. O sol rachava.
Segui em frente pensando sobre o quanto se prezava a caridade como desculpa da falta de ações positivas para acabar com a pobreza humilhante, curral de votos mantido há séculos pelos demagogos populistas. Entretanto, estava alerta para o que havia pelo caminho.
Que vontade louca de chutar o balde!
Autor: Antonio Carlos Rocha

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