domingo, fevereiro 03, 2008

Outro jovem talento do Bar do Escritor


Na Febre do Rato

“É preciso romper agora,Antes que surjaNa porta de um cinemaUma frase mais ou menos assim:Hoje em cinemascopeE totalmente colorido,O magnífico espetáculoDa nossa miséria.” (Glauber Rocha)I)é uma máquina pequena e antiga, Olivetti do Brasil S.A., onírica, tresloucada de toques viciados advindos da terra onde tudo é o que não deve ser.nesta orla onde as borrachas passeiam por sobre os cadáveres do passado não tem caneta, nem lápis, nem qualquer objeto pontiagudo que possa manchar de vinho as vestes já sujas de remédios servidos em copinhos plásticos.não consigo sair da página 114: “Muito mais importante é o temor por mim mesmo. Isso deve ser assim entendido: Já assinalei que do fato de escrever, e o que está relacionado com isso, obtive pouquíssimos êxitos em tentativas de independência e evasão;”Kafka filho de um filho da puta!- ô amigo!- cara, sinto muito, mas não sou seu amigo. realmente não vim aqui pensando em fazer amigos...cadê a máquina de choque elétrico?! aposentada como meus avós?!porra, Kin Kensey! não sei mais dormir! ou será o suor frio e o desejo e as tremedeiras e esse aí a trocar socos como quem troca lâmpadas em busca de silêncio?!...é quase um maço por dia...é quase um furto, um estupro, um engarrafamento na goela, uma procissão de demônios alvos desejando fuder-me pelas veias inflamadas.- acorda, rapaz! acorda! é só um pesadelo.- eu sei...eu sei...e o tac tac tac tac amanhece o sol e balanga a lua, que enfim adormece ao som dos grilos embriagados de orvalho.- vamos tomar barbitúricos?- não!seis quilos antes da primeira semana. peso morto, volume de inchaço:- teu coração é valente.- coração valente é teu rabo! eu tenho cara de escocês, seu merda!

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
é claro que me odeiam! minha fissura impede qualquer aproximação amena e eu vivo a cuspir os medicamentos, as orações desnecessárias e as histórias de quase morte na cara dos senhores deste feudo inconsciente...eu cuspo no paredão de concreto que me guarda o fogo, eu cuspo na direção do vento para fugir aos pedaços, eu cuspo nos cacos de vidro, nas lanças, nas cercas de arame, no leite, no branco do chão do quarto, na remissão dos pecados e na vida eterna, amém!

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
II)- Careca, vamos tomar uma ali no buteco?- só se for agora.aqui, no meu caso, fugir é aceitar a derrota, mas a garganta seca é uma moeda que jogada ao leu cai sempre por sobre o balcão dum bar com a face da morte voltada para os anjos.- nosso tempo é curto. preciso fazer uma ligação e tomar um copo cheio de desgosto.- eu também...um muquifo combina muito com dois caras vestidos de branco e de chinelos de dedo...- vocês são da clínica?- somos. ele é paciente e eu enfermeiro. dá aí dois copos grandes cheios de remédio, amigón.- amigón uma porra! não vou servir vocês não! - cobra essa budega com ágil e não me torra.quase caí. ou é fraqueza ou é mistura.vai Brasil! pára de produzir trigo e põe cana no solo! mata teus filhos de tanto beber e de tanto lidar com o sol, com o facão e com a marmita gelada!

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
III)o motivo da carranca é que quanto mais volto para mim mais me encontro com ela...

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
IVaqui tem freira. acho até engraçadinha a coitada...- meu filho, você é cristão?- vamos por partes. a primeira coisa que a senhora tem que saber é que a sociedade abomina freiras com filhos maiores trancados em clínicas para dependentes químicos. a segunda parte é que sou cristão sim...talvez o cristão mais sincero do mundo.- nossa! o mais sincero do mundo?! por quê?!- porque gosto de revolucionários.- e cristo foi um?- porra! o cara não cortava o cabelo, não fazia a barba, andava descalço, maltrapilho, pregando a paz suprema, o amor total e se entregou às maiores violências calado, dando o exemplo de tudo o que disse...olha, acho que nem robies pierre foi tão extremista.- quem é esse pierre?- foi o cara que inventou a equação de segundo grau. agora a senhora me dá licensa queu tenho que rezar.- vá com deus, meu filho.- não sou seu filho.acho, sinceramente, que vou perder essa guerra. lutar contra o vício é como ter os braços amputados dez minutos antes de uma luta com o Rickson Gracie.

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
V- ei, boy, fortalece os irmãos aqui.- eu tenho cara de vitamina, bicho?!- se liga boy, o buraco é mais embaixo.- se liga você. isso aqui né cadeia não.- mas nós somos todos da malandragem.- vou te dar uma letra, então. aprecia só. quando eu olho pra você vestido de branco, atrás desses muros e tomando remedinho com hora marcada, me é impossível ver um malandro. o malandro mesmo, a essa hora...que horas são?- umas três horas da tarde.- então...um malandro mesmo, a essa hora aqui, ta almoçando na beira da praia, comendo peixe e tomando cerveja gelada com uma gata ao lado. depois, mais no final da tarde, quando você estiver vendo tv com um bando de babão debilóide no teu pé, o malandro mesmo vai estar dando uma baita duma foda gostosa enrolado nas coxas daquela mina e envolvido por lençóis egípcios e travesseiros preenchidos com penas de ganso, coisa que você nunca vai ver, mesmo que ganhe na mega sena... acorda! você não é malandro!- me dá um cigarro aí?- pega.

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
VaIeu nunca me dei bem nessas empresas que fazem dinâmica de grupo. aliás, para um escrivinhador essas coisas são difíceis mesmo, porque o processo de criação é algo bem solitário. hoje aqui vai rolar um treco parecido. é uma terapia em grupo onde todo mundo finge se amar e ser mais educado do que realmente é. isso me torra. me torrou a vida toda. eu não freqüento templos religiosos por conta dessa falsa amistosidade besta.tem uns quinze drogados aqui, tolamente sentados em círculo e acho que é a pobre duma médica que vai tocar essa canoa furada.- estamos aqui reunidos...esse “estamos aqui reunidos” quase me fez vomitar, mas para não desagradar os companheiros de desgraça, melhor conter-me...- ...para tentar nos conhecermos melhor. você! qual seu nome e por que está aqui?- meu nome é joão...e nem precisaria continuar. o nome dele é joão e igual a este joão tem mais de quinhentos mil só no meu bairro...- e você?- meu nome é Jurandir.- mas aqui consta seu nome como Anderson.- é que eu mudo de nome sempre. estou a todos instante mudando de nome.- e isso é bom?- não.- e por que você faz então?- pelo mesmo motivo que eu cheiro pó.- senhor Anderson, qual a sensação de estar aqui entre pessoas que vivenciam o mesmo problema que o seu?- bom...é como se eu pegasse meu próprio pau e tentasse enfiar no rabo.- o senhor está sendo indelicado! esses termos não serão tolerados aqui!- tá ta...desculpa... é como se eu tivesse engolido uma abelhinha e ela ferroasse meu coração.- agora sim! gostei da imagem! mas qual a sensação dessa ferroada?- então...é como se eu pegasse meu pau e tentasse enfia-lo no próprio rabo.- o senhor não vai mais participar desta sessão. pode se retirar.- com licença cavalheiros. me livrei de ouvir mais merda...

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
VIIeu acordo bastante eufórico, mas conforme o dia corre a tristeza vai me pegando. já por volta das dez da manhã me dá um arrocho no peito e ele se estende pelo dia todo em constante cavalgada na direção do choro compulsivo e do riso histérico.- hei, H! você fala de mim aí nesse livro?- falo sim, Careca. faz um favor pra mim?- claro!- fica ali na porta com essa cadeira na mão. se aparecer algum desses doidos aí tentando me atrapalhar você dessa a porrada no lombo dele, beleza?- pódeixar!acho que este lugar não tem muita coisa para me oferecer. na verdade o schopenhauer é mais edificante que esses médicos vazios. esses doutores mais se parecem com cartelas de aspirina.- Careca, chega aqui.- arrota...- então, só to escrevendo besteira. vamos fazer o seguinte, vou abrir um capítulo só seu. fala aí de você que eu vou escrevendo.

30 jan (2 dias atrás)
Anderson H
VIII – o Careca pelo Careca- bicho, eu sou de uma família rica, sabe. comecei a usar maconha com quatorze anos e aos vinte já estava na cocaína.- Careca, pula essa parte. isso aí ta mais batido que iogurte de padaria.- você acha que esse seu livro vai virar filme?- acho que sim. quem você deseja que faça seu papel?- ahhhhh! O Steven Seagal!- puta merda, Careca! ator nacional!- o antônio fagundes.- Cara, o ator tem que parecer contigo ao menos na idade, certo!- então o selton melo.- esquece. seu papel vai ser de coadjuvante. esse aí só faz papel principal.- então eu quero o caio blat.- beleza! O caio blat serve. mas continua...- meu pai é um grande criminalista de são paulo. posso dizer o nome?- diz, mas eu não vou botar aqui.- ele já me tirou da cana uma penca de vezes. teve uma vez que eu roubei uma casa e voltei para pegar mais coisas. aí a polícia tava esperando e me prendeu.- sei como é. você tem namorada?- tinha. ela morreu mês passado.- tem irmãos?- dois, mas eles me odeiam porque roubei muita coisa deles pra por no prato. quem me odeia mais é minha mãe. diz que acabei com a vida dela. uma vez cheguei em casa e ela não me deixou entrar. passei a madrugada chorando na porta. também...eu já havia sido expulso do colégio bandeirantes, já havia passado por duas clínicas e continuava a aprontar!- então dá um desconto pra velha.- mas dói ter a porta batida na cara pela mãe da gente...você acha que dessa vez eu me curo?- claro! claro! mas tem que ficar piano. esquecer a rua e enfiar a cara nos estudos e no trabalho.- e você? acha que pára?- acho que não. tem duas coisas em que não acredito mais: a primeira é em princesa encantada e a segunda é na minha lucidez.

Um comentário:

Larissa Marques - LM@rq disse...

bom gosto, adorei o espaço.