Gota
revisito a cristalina imagem de minha infância:
e vejo com ânsia um eu pequenino,
moleque, menino, ouvindo viola,
cordel e repente e conversa de gente
que vinha de longe, de longe sertão,
e ouço vovó desmanchando afeto
em uma panela de ferro curtido
e o alarido do único neto
pulando miúdo à espera de doce.
retorno ao hoje e percebo que a foice,
que o tempo a cavalo, que a morte bandida,
levou-me um pedaço imenso da vida,
a parte em verso do meu coração...
revisito a cristalina imagem de minha infância:
e recebo com ânsia na porta frente
um revólver vistoso com bala no pente
e atiro espoletas no rumo da lua,
cai uma, cai duas, cai três e a rua
se torna um pedaço gostoso do céu...
revisito a cristalina imagem de minha infância
e percebo que o vento só galopa em manada:
e a cada patada um valha-me Deus,
e a cada bom dia uma dúzia de adeus,
e a cada inocente um sexto sentido
de que a infância tem tempo medido
e se acaba e dói e dói que é a gota...
Anderson H.
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