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O gato Sardinha estava sendo ovacionado por um coro de miados estridentes, quando Aprígio chegou ao estacionamento do Mercado – vazio naquela tarde de domingo – onde se reunira a Assembléia da Gataria para eleger o Rei da felina fraternidade lapeana.
Acompanhado do Onça, o gato malhado seu companheiro de beco e cabo-eleitoral, Aprígio subiu na pilha de caixotes de madeira, palanque dos adversários que se submeteriam à escolha dos quase 200 gatos e gatas ali congregados. A população de “gatos-livres” – assim gostavam de ser chamados, refutando como pejorativo o epíteto de vadios - da região era bem maior. Contudo, preferiram continuar sua peregrinação errática por muros e terrenos baldios em busca de ratos a serem perseguidos, cachorros para atiçar a correrias inúteis que terminavam com os cães ganindo sua decepção diante de árvores ou muros inacessíveis, no alto dos quais, os fujões exibiam seus dentes afiados nos risos de deboche provocativo.
Clarinha ronronava encostada em Sardinha, já com ares de primeira-dama, antegozando a vitória. Nem olhou quando Aprígio subiu ao palanque e proferiu seu discurso:
- Meus caros amigos e amigas de vida livre. Não lhes ofereço peixes todos os dias, nem isenção do imposto de sangue cobrado pelo Vampiro, pois estes benefícios estão sendo obtidos pelo meu adversário à custa da obrigação de caçar ratos e ratinhas virgens. Obrigações e acordos desse tipo são contra a nossa natureza, ferem o estatuto da liberdade vadia, cada um indo para onde quer e fazendo o que bem entender. É esse sagrado princípio que me comprometo a respeitar como Rei da Confraria. É com base nele que peço o seu voto! Viva a Liberdade!
Seus olhos dourados brilharam e os pelos se eriçaram quando um bom número dos presentes miou aplausos.
No entanto, o bando de gatos contratados pelo Gatobbels para apoiar Sardinha e animar o público, cantou em coro uma marchinha:
“Sardinha nos dá comida,
ele será um rei bondoso.
Sardinha nos dá a vida.
Ele é o vitorioso!”
A multidão incentivada repetiu o estribilho.
Sardinha, peito empinado e sorriso de vencedor, percebeu com surpresa, que a bela Clarinha não se empolgara. Ao contrário, ia, aos poucos, se afastando dele, com os olhos azuis estranhamente nublados por uma cor cinza escura e se aproximando do adversário. Em seu corpo se instalara a deusa Bastet. Usara sua faculdade de transmigração das almas, ponto mais elevado do aperfeiçoamento espiritual preconizado no Livro dos Mortos, a Bíblia dos egípcios do tempo dos faraós.
Tomou a palavra o gato Bufão, respeitado pelos seus 12 anos de vida e o jeito divertido com que alegrava os companheiros. Atribuíram-lhe a missão de comandar a eleição e ele o fez com sua voz de barítono:
- Os que querem eleger o candidato Sardinha, ergam a pata esquerda. Os que votam no Aprígio, ergam a direita. Os que não votam em nenhum dos dois, ergam as duas patas. Agora!
Confusão e baderna total!
A grande maioria não tinha sido ensinada por donos que gostavam de exibir as artes de seus animais de estimação. Nunca tiveram donos.
Gatos e gatas, patinhas no ar, caíram de cara no chão.
O gato Bufão, rindo como nunca, contou as patas erguidas e anunciou o resultado:
- 3 votos para Sardinha e 1 para Aprígio – tinha sido o voto de Clarinha -, o que dá a vitória ao companheiro Sardinha, nosso novo Rei.
Aprígio, não sabendo erguer uma só pata, não tinha votado nele mesmo, e nem tentado, para não se expor ao ridículo.
Enquanto a multidão aclamava o Rei, foi-se embora feliz por estar acompanhado de sua deusa-Clara.
Não tinha perdido o espírito guerreiro.
A derrota lhe dera um novo objetivo de luta: livrar-se de vez do malvado Vampiro.
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Direitos reservados: Antonio Carlos Rocha
O gato Sardinha estava sendo ovacionado por um coro de miados estridentes, quando Aprígio chegou ao estacionamento do Mercado – vazio naquela tarde de domingo – onde se reunira a Assembléia da Gataria para eleger o Rei da felina fraternidade lapeana.
Acompanhado do Onça, o gato malhado seu companheiro de beco e cabo-eleitoral, Aprígio subiu na pilha de caixotes de madeira, palanque dos adversários que se submeteriam à escolha dos quase 200 gatos e gatas ali congregados. A população de “gatos-livres” – assim gostavam de ser chamados, refutando como pejorativo o epíteto de vadios - da região era bem maior. Contudo, preferiram continuar sua peregrinação errática por muros e terrenos baldios em busca de ratos a serem perseguidos, cachorros para atiçar a correrias inúteis que terminavam com os cães ganindo sua decepção diante de árvores ou muros inacessíveis, no alto dos quais, os fujões exibiam seus dentes afiados nos risos de deboche provocativo.
Clarinha ronronava encostada em Sardinha, já com ares de primeira-dama, antegozando a vitória. Nem olhou quando Aprígio subiu ao palanque e proferiu seu discurso:
- Meus caros amigos e amigas de vida livre. Não lhes ofereço peixes todos os dias, nem isenção do imposto de sangue cobrado pelo Vampiro, pois estes benefícios estão sendo obtidos pelo meu adversário à custa da obrigação de caçar ratos e ratinhas virgens. Obrigações e acordos desse tipo são contra a nossa natureza, ferem o estatuto da liberdade vadia, cada um indo para onde quer e fazendo o que bem entender. É esse sagrado princípio que me comprometo a respeitar como Rei da Confraria. É com base nele que peço o seu voto! Viva a Liberdade!
Seus olhos dourados brilharam e os pelos se eriçaram quando um bom número dos presentes miou aplausos.
No entanto, o bando de gatos contratados pelo Gatobbels para apoiar Sardinha e animar o público, cantou em coro uma marchinha:
“Sardinha nos dá comida,
ele será um rei bondoso.
Sardinha nos dá a vida.
Ele é o vitorioso!”
A multidão incentivada repetiu o estribilho.
Sardinha, peito empinado e sorriso de vencedor, percebeu com surpresa, que a bela Clarinha não se empolgara. Ao contrário, ia, aos poucos, se afastando dele, com os olhos azuis estranhamente nublados por uma cor cinza escura e se aproximando do adversário. Em seu corpo se instalara a deusa Bastet. Usara sua faculdade de transmigração das almas, ponto mais elevado do aperfeiçoamento espiritual preconizado no Livro dos Mortos, a Bíblia dos egípcios do tempo dos faraós.
Tomou a palavra o gato Bufão, respeitado pelos seus 12 anos de vida e o jeito divertido com que alegrava os companheiros. Atribuíram-lhe a missão de comandar a eleição e ele o fez com sua voz de barítono:
- Os que querem eleger o candidato Sardinha, ergam a pata esquerda. Os que votam no Aprígio, ergam a direita. Os que não votam em nenhum dos dois, ergam as duas patas. Agora!
Confusão e baderna total!
A grande maioria não tinha sido ensinada por donos que gostavam de exibir as artes de seus animais de estimação. Nunca tiveram donos.
Gatos e gatas, patinhas no ar, caíram de cara no chão.
O gato Bufão, rindo como nunca, contou as patas erguidas e anunciou o resultado:
- 3 votos para Sardinha e 1 para Aprígio – tinha sido o voto de Clarinha -, o que dá a vitória ao companheiro Sardinha, nosso novo Rei.
Aprígio, não sabendo erguer uma só pata, não tinha votado nele mesmo, e nem tentado, para não se expor ao ridículo.
Enquanto a multidão aclamava o Rei, foi-se embora feliz por estar acompanhado de sua deusa-Clara.
Não tinha perdido o espírito guerreiro.
A derrota lhe dera um novo objetivo de luta: livrar-se de vez do malvado Vampiro.
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Direitos reservados: Antonio Carlos Rocha
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